quinta-feira, 23 de abril de 2015

Borrão de Lembranças

Hoje é uma data propícia para escrever. Faz exatamente dois meses que estou de retorno ao Chile. Muita coisa aconteceu e o tempo voou, como sempre. É estranho que quando estamos vivendo uma parte boa da nossa vida as coisas passam tão rápido. É quando nos damos conta de que o tempo é incontrolável. O tempo suga as nossas experiências e nos brinda com lembranças... Espero que minha vida seja apenas um borrão por este mundo; apenas fumaça dando sinal de que algo por ali aconteceu. Algo bom. Às vezes é bom parar pra refletir e se dar conta de que muito em breve seremos todos lembrança. Alguns serão recordações eternas, gravadas em livros, fotografias e memórias; outros deixarão de existir assim que o último a se lembrar dele se vá dessa para melhor. Não me importo muito com o que serei desde que seja um “borrão” de momentos únicos e especiais.

Algumas pessoas me perguntaram por que eu não estava mais escrevendo. Esta não era uma constatação verídica, já que o ano de 2015 tem sido de extrema inspiração para mim. Escrevo sim, só não ando publicando no meu blog. Eu nunca quis que o “Universo em Expansão” se tornasse uma obrigação, por tanto nunca me forcei a publicações periódicas. Simplesmente publico quando sinto necessidade de ser escutado, quando preciso que alguém veja o que tenho feito e o que tenho descoberto. Como disse no começo deste texto, foram dois meses em que muitas coisas aconteceram.

A saudade da pátria é inevitável. Eu sou um apaixonado pelo Brasil e toda vez que me afasto de lá me sinto órfão. Uma necessidade nova nasce dentro do meu peito e eu passo a ouvir bossa nova como louco. Procuro referências brasileiras em tudo que vejo, leio e escuto. Esses dois meses de “exílio” me apresentaram artistas que estavam tão perto quando estava em Londrina, que não dava muito atenção. Chico Buarque tem sido o meu cantor, compositor e escritor brasileiro favorito desde o ano passado, mas junto com ele descobri Ney Matogrosso e sua excentricidade; Maysa e sua voz única; Caetano e sua alma apaixonada; Carmen Miranda e seu sorriso extremamente brasileiro. Que cultura linda! Que país incrível! Entristeço-me com as notícias e com o pessimismo de muitos brasileiros, mas estar longe significa querer bem, sentir falta e torcer pelo meu país. Esse é outro lado bom de morar fora: saber o quão bom é o seu lar.

Voltar pra Santiago, desta vez com um propósito desafiante: trabalhar, foi desde o início uma necessidade. Minha vida sempre foi pensada até o dia em que eu receberia meu diploma universitário e tudo estaria bem e perfeito. Não foi bem assim. Desde que comecei a faculdade de jornalismo eu mudei e essas mudanças me fizeram perceber que eu precisava de um tempo longe, precisava conhecer um pouco mais além das minhas fronteiras. O intercâmbio em 2013 me ajudou a confirmar isso, me abriu a mente e me fez descobrir coisas que eu não sabia que existiam. É estranho quando você se percebe diferente, quando tudo que você era parece não fazer sentido e quando o pouco que você tinha já não é suficiente. Entre todos os motivos que me fizeram decidir voltar para o Chile, acho que o maior deles é que foi justamente aqui, nessas ruas e nessas paisagens andinas, que eu me redescobri. Santiago me atrai e eu quero descobrir o que significa essa atração. Pode ser que essa nova aventura por essas terras não tão longínquas não durem muito. Podem durar meses, talvez anos. Eu não me coloquei prazo. Quero apenas viver meus dias de jornalista recém-formado; buscar um emprego que tenho certeza não irá me satisfazer; juntar dinheiro para propósitos que as pessoas chamarão de tontos e conhecer gente, conhecer lugares, conhecer novas miradas e me encantar com o desconhecido.

Cajón del Maipo, nas imediações de Santiago


Nesses dois meses por aqui eu viajei. Viajar é uma paixão que nasceu aqui e que levarei por toda vida. Voltei para lugares que me marcaram e me transformaram. Vivi aventuras que não cabem em fotos, textos ou palavras. Se eu fosse descrever esses momentos, descreveria como um dos borrões mais fortes da minha vida. Eu também comecei uma nova jornada em busca de emprego e não tem sido fácil. Trabalhar na área em que me formei por enquanto não será uma realidade, pois ainda não tenho meu diploma válido em terras chilenas e o processo além de caro é demorado. Tenho procurado empregos que de certa forma me fariam bem. Eu amaria trabalhar no meio de livros ou lidando com o cinema, duas artes que me fascinam. Por enquanto, as coisas têm caminhado e estou esperando que saia meu visto provisório de trabalho, que deve sair nos próximos quinze dias. Houve também alguns momentos de tristeza, não vou negar. Sempre gostei de andar por Santiago, caminhar pelos parques, me sentar e ver o mundo passar. Muitos dias em que nada me resultava bem eu simplesmente me sentava no Parque Forestal, perto de onde estou morando, observava a pressas das pessoas e o apuro em chegar onde quer que seja. O tempo sempre comandando tudo. A melancolia nunca foi um problema pra mim, no entanto, às vezes incomoda.

Salar Uyuni - Bolívia - Uma das minhas viagens



Os dias voaram, muitos momentos passaram e a minha vida tem caminhado bem. Não sei se estou vivendo a minha melhor época, espero que não. Espero que ainda possa pensar muitas vezes que o tempo voou, ficando apenas histórias, lembranças e nostalgia. Afinal a vida é como o tempo: um borrão que colore o horizonte de momentos e no final só resta esquecimento.